Por Marc Maury – Diretor Científico, Unither Pharmaceuticals_Artigo completo publicado na Pharmanetwork: Marc Maury scientific article Origem das bactérias multirresistentes Quando bactérias multirresistentes surgem, são realizadas investigações detalhadas para rastrear suas origens e limitar sua propagação. Avanços na análise genômica — como MALDI-TOF, PCR e sequenciamento de alto rendimento — ampliaram significativamente nossa capacidade de compreensão. Paleomicrobiologia: Um olhar para o passado Graças aos avanços da bioinformática, os pesquisadores agora conseguem estudar genomas bacterianos antigos extraídos de fósseis ou sedimentos. Surpreendentemente, genes de resistência a antibióticos foram encontrados em organismos com milhares de anos — muito antes do uso médico de antibióticos. Disponibilidade: Uma crise silenciosa Apesar de alguns lançamentos recentes, o número de antibióticos disponíveis nas farmácias continua caindo. Essa redução muitas vezes não se deve à ineficácia ou toxicidade, mas à baixa rentabilidade. Mudanças regulatórias, preços baixos e mercados limitados são fatores determinantes. Um grande desafio de saúde pública Muitos artigos destacam a escassez de novos antibióticos, mas ignoram uma realidade: os antigos ainda existem. O problema está no acesso, no uso responsável e inteligente. O aumento da resistência exige uma compreensão mais profunda das suas causas reais. O papel da natureza na resistência Cupins, gorilas e antibióticos Gorilas sem qualquer tratamento médico são frequentemente portadores de Klebsiella pneumoniae resistentes. A origem dessa resistência vem dos cupins que eles consomem. Esses insetos cultivam fungos que produzem antibióticos naturais como a penicilina — criando pressão seletiva sobre as bactérias. Em algumas aldeias africanas, extratos de cupinzeiros são usados como remédios tradicionais. Desmatamento e Ebola Surto de Ebola geralmente ocorre após desmatamentos. Ao alterar ecossistemas, essas ações aproximam espécies reservatórias (como morcegos) das populações humanas — aumentando o risco de contaminação. Essas mesmas dinâmicas ecológicas também influenciam a resistência bacteriana. Agricultura e resistência Práticas de criação intensiva A agropecuária utiliza grandes quantidades de antibióticos — não apenas para tratar doenças, mas também para promover o crescimento. Por exemplo, a resistência à vancomicina em humanos surgiu após o uso de avoparcina em fazendas de perus, selecionando cepas resistentes de Enterococcus. Pesticidas com propriedades antibióticas Muitos pesticidas e herbicidas (como o glifosato) possuem atividade antibiótica. Seu uso massivo exerce enorme pressão seletiva sobre bactérias do solo — favorecendo o surgimento de genes de resistência. Compreender a dinâmica da resistência Os genes de resistência não são criados pelos antibióticos — eles são selecionados por seu uso. Ao eliminar bactérias sensíveis, os antibióticos favorecem a proliferação de cepas resistentes, levando ao surgimento de “superbactérias”. No entanto, quando o gene de resistência não traz mais vantagem, ele pode ser perdido por mutações. Assim, uma bactéria multirresistente pode voltar a ser sensível — o que pode explicar o caráter cíclico de certas epidemias. Melhor uso dos antibióticos existentes Os tratamentos antibióticos são frequentemente padronizados, com pouca personalização. No entanto, cada infecção é única. Ferramentas de diagnóstico mais rápidas permitiriam adaptar doses e esquemas terapêuticos a cada caso — melhorando os resultados e reduzindo a resistência. Soluções concretas Devemos agir sobre as causas profundas, e não apenas buscar novas moléculas: Reduzir o uso de antibióticos na agropecuária Limitar a exposição a pesticidas com atividade antibiótica Otimizar o uso de antibióticos antigos (ajustes de dose, combinações) Aproveitar os fagos e o microbioma como aliados naturais Conclusão: Repensar a corrida pelos antibióticos Confiar apenas na descoberta de novas moléculas é arriscado. A natureza é rica em mecanismos de defesa e resistência. Compreendê-los pode abrir caminho para estratégias sustentáveis. Reduzir a pressão ecológica e rever o uso atual dos antibióticos é essencial para evitar uma crise sanitária global. Ao mesmo tempo, devemos continuar buscando novas “espadas terapêuticas”, antes que os “escudos bacterianos” existentes se tornem intransponíveis.